Nada ao Acaso

2004-04-12

A Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho

No centro de formoso jardim, havia um grande lago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa. Alimentado por diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita. Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comunidade de peixes (2) a se refastelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas locas, frescas e sombrias.
Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de Rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a preguiça. Junto deles, porém, havia um peixinho vermelho (4) menosprezado de todos. Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos. Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso. O peixinho vermelho que nadasse e sofresse.
Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome. Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse. Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniriam maior massa de lama por ocasião de aguaceiros. Depois de muito tempo, à custa de longas procuras, encontrou a grade do escoadouro (6). À frente da imprevista oportunidade de aventura benéfica, reflectiu consigo: – "Não será melhor pesquisar a vida e conhecer outros rumos?" Optou pela mudança.
Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima. Pronunciando votos renovadores, avançou, optimista pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu embriagado de esperança... Em breve, alcançou grande rio e fez inúmeros conhecimentos. Encontrou peixes de muitas famílias diferentes que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhes mais fácil roteiro. Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo. Habituado com pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e agilidade naturais.
Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébrio de novidade e sedento de estudo. De início, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia (7) para quem toda água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espectáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária. Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos peixes, rogando protecção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes marinhas. O pequeno viajante, agradecido e feliz, procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações. Plenamente transformado sem suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz. Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio de coral (9) que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, aos se referir ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano. O peixinho pensou, pensou... e sentindo imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles. Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhes o tempo valiosas informações? Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeitores que com ele viviam no palácio de coral, compreendeu cumprida viagem de volta. Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar. Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros. Estimulado pela proeza de amor que efectuava, supões que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais. Certo, a colectividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia. Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, protegidos por flores de lótus, de onde saíam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis. Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali havia dado pela ausência dele. Ridicularizado, procurou, então, o Rei de guelras enormes (3) e comunicou-lhe a reveladora aventura. O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente. Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar.
Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades costeiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao palácio do coral, onde viveriam todos, prósperos e tranquilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à aventurosa jornada. Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a prelecção. Ninguém acreditou nele. Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando de longe, a travessia, exclamou, borbulhante: – "Não vês que não cabe aqui nem uma só das minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o bem-estar...Nosso lago é o centro do universo...Ninguém possui vida igual à nossa!..." Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no palácio de coral, aguardando o tempo. Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devastadora seca (8). As águas desceram de nível. E o poço onde viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a aparecer, atolada na lama...

1 – O grande lago :A Organização
2 – A comunidade de peixes :Cultura da organização
3 - O rei de guelras enormes : O poder da organização
4 – O peixinho vermelho : O agente de Mudanças
5 – O oceano : o universo de inserção das organizações
6 – A grade de escoadouro : Os obstáculos para a mudança
7 – A baleia : O perigo da precipitação
8 – A seca : O destino das organizações estanques

Em tempos de Mudança ... há que reflectir um bocadinho sobre a nossa maneira de estar, as nossas atitudes ... principalmente onde passamos a maior parte do nosso dia ... deixo-vos aqui um texto um pouco longo mas que vale a pena ler ...

2004-04-08

Visitando blogs ...

Ao visitar os blogs do costume, passei pelo Filosofia Barata, e o post de ontem é sobre homossexualidade, então lembrei-me de ter escrito no caderninho ( pois !! antes de existir estas modernices -blogs - eu tinha um caderninho), qualquer coisa acerca do tema. Ao virar as suas páginas já amarelecidas pelo tempo encontrei um "desabafo" datado de 28 de Abril de 1997:
"Estou aqui pensando em morte, sábado 26 o Fernando matou-se, com um tiro na cabeça, agarrado a uma rosa de tom rosa despediu-se do mundo em que vivia, um mundo tão só dele e dos tão poucos que o frequentam ou têm coragem de frequentar. E assim num clic põe-se fim a uma vida tão pouca, tão jovem.Vindo de relações ditas não normais mas mais intensas que as minhas, não aguentou a pressão desta sociedade porca e sem escrúpulos, não aguentou o fim de uma relação, não aguentou consigo próprio, com a sua luta interior de pensar uma coisa e ver reflectida no espelho outra completamente oposta. ..."
Se fosse hoje, ele/ela ainda estaria entre nós ... estamos mais abertos ...

2004-04-01

É dificil ....

Porque é que é tão dificil entendermos a linguagem dos homens ... sim porque é tão pouco provável nós mulheres entendermos o que eles nos querem dizer ... Nunca conseguimos parar ... reflectir ... e só depois responder ... em vez disso … atiramos umas frases que nos vêm no momento, complicadíssimas, pois vamos buscar coisas do tempo das nossas avós ... e na maior parte das vezes o que essas frases fazem é ainda complicar mais a situação ... mas eles também têm a culpa, ó minhas amigas ... Começam por bombardearem-nos com perguntas, e cada resposta sem ser pensada, cada disparate que nos saí pela boca fora ... Depois também vão buscar coisas que não vêm para o caso ... mas são mais espertos... nem nos deixam responder, têm a voz mais grossa, por muito que tentemos com a nossa voz umas oitavas acima das deles, eles não nos ouvem ... eles não querem ouvir o que temos para dizer, mesmo que ouçam também não nos entendem, é complexo demais para aquelas cabeças ... nós somos incríveis nos argumentos porque para nós nada é simples ... Até uma ida à casa-de-banho vamos aos pares !!!E não me venham dizer que não … ela é assim mas eu não sou !!! Somos todas assim, umas mais do que outras …. Não passamos sem eles e eles sem nós ... se falassemos a mesma liguagem certamente não gostaríamos tanto deles ... e eles de nós ...


 
Creative Commons Licence
This work is licenced under a Creative Commons Licence.