Nada ao Acaso

2005-01-26

Encontro à beira mar

(À Lena)


Éramos os dois duas esfinges mansas
recortadas a negro na neblina
altas e esguias no casco dum penedo
frente ao mar e frente à ventania
Éramos como dois faróis
marcando em luz o fim de um continente
As tranças do meu amor
esticadas
como duas setas de oiro
- uma estrela em cada ponta
eram o norte da navegação
Dos meus braços pendiam algas
quase cabelos de afogados
num aviso

e no meu peito fulgia a rosa dos ventos
talhada em dor pelas quilhas dos navios
Sobre o gume das ondas as mãos e os olhos pávidos dos que aportaram
bradavam
um apelo e uma mensagem
implacável
aos térreos e inesgotáveis monstros
Dos lábios do meu amor
desciam para o mar
palavras roxas e verdadeiras
vagarosas e quentes
desciam
e eram âncoras e cordas e lemes
e Esperança
na rasa-próxima-longínqua paisagem marítima

Nasceram portos chamando por nós
Barcos demandaram rachando o mar em nossa procura
Desenharam-se novas rotas
Ignoradas aves verdes e ansiosas
trouxeram os ninhos
os filhos
e a paz !
e descansaram sobre as tranças doiradas do meu amor
sobre os meus braços
sobre os meus ombros
Uma canção nova e bela
soltou-se de nossas bocas

Éramos os dois como dois faróis
marcando em luz o fim de um continente!

Fonseca Branco (1958)
O início de um projecto .... Diário do meu Avô


 
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