Nada ao Acaso

2004-05-12

Primavera ...

Mais uma primavera ... Mais uma fase ... Mais uma crise ...
A verdade é que muitas vezes eu e o meu pai pensamos como é possível tratarem o doente mental com "igualdade" quando na prática, só têm direitos. Não podemos exigir que funcione como uma pessoa sã, e quando faz disparates, ainda temos que ser nós a resolvê-los. O doente mental é inimputável, pois perante a lei, e com apenas um relatório do psiquiatra, ficam livres de voltar a fazer outro e talvez ainda maior disparate.
No desespero de uma crise passamos sempre pela fase que não vai haver melhoras, pelo pavor do que irá fazer desta vez. Passamos de família, a selva sempre atentos ao mínimo indício. Quando vai atacar ? Quem vai ser a vitima desta vez ? Chegamos a pensar que está tudo louco, ao quererem integrar uma pessoa com doença mental. Isto sem apoiar os alicerces primeiro, ou seja as pessoas que o rodeiam (cuidadores).
Nas crises o optimismo passa rapidamente a pessimismo, e por desespero quase não se dorme com medo de ela entrar no quarto com as facas. Nestas fases repete inúmeras vezes que nos vai matar e como nos vai matar, por muito que não queiramos acreditar ou mesmo pensar nisso, é-nos impossível considerar : o que é a impede de o fazer, está completamente perdida !
E começa a espiral de acontecimentos, em que nos é impossível ter disponibilidade para viver na "normalidade". Chegam os desaparecimentos, e as buscas incessantes por onde possa estar, até que vem com a notícia do disparate que fez. Muitas vezes culpamo-nos por não acompanhar, mas como ? Ela anda a 200%, é impossível acompanhar ou até mesmo prever o passo que vai dar a seguir. A isto adiciona-se uma vida profissional cheia, que muitas vezes não nos deixa respirar, e que se transforma no escape de tudo, o centro de tudo, a desculpa para tudo.
Completamente perdidos procuramos apoio, e que temos é nada. Em vez de ajudar, dizem para termos calma. Em vez de acompanhar, receitam mais umas drogas a ver se resulta ! Dez dias passam e a medicação nova não resultou, e porquê ? porque a família não conseguiu acompanhar o doente na toma dos medicamentos!!! Solução internamento compulsivo.
Depois começa a fase 2 do problema. Os restantes familiares, os amigos e vizinhos. Tentar explicar a pessoas que acham que nunca a viram "tão bem" e "tão equilibrada" porque foi internada. Ninguém entende, ficam com receio de também eles serem internados, por acharem normais os comportamentos. Já tentamos tudo, várias maneiras de colocar a questão, vários discursos. Se dizemos que ela é doente mental associam sempre a pessoas a babarem-se, se dizemos que é maluca, associam a uma pessoa completamente perdida e desequilibrada (sintomas que ela nunca os deixa ver).
E aos poucos em vez de ajuda, o que temos é as pessoas que nos rodeiam a roubarem-nos a energia e a força que nos resta. Que tanto necessitamos para a fase seguinte. Reintegração no seio familiar após internamento.
Não há tempestade sem a bonança. Cada dia que passa é um adaptar aos novos hábitos, e acima de tudo o mais positivo, é que começa a existir novamente conversa à mesa nas refeições. O primeiro sinal, e a luz ao fundo do túnel que já esperávamos e desesperávamos de ver. Comparo esta fase como que de uma criança que acaba de nascer. No fundo a minha mãe renasce cada vez que é internada.
Lembro-me de uma frase que disse ao 1º psiquiatra dela : "Não aguento isto! ora morre ora ressuscita". Apenas precisava de tempo para me habituar a esta nova condição. Não posso pedir muito, posso sim aproveitar os poucos momentos de sanidade mental dela, e tentar vivê-los de uma forma mais normal possível, sem grandes exigências. Respirar fundo, descansar, e nunca deixando de estar atentos baixamos os ombros e suspiramos de alívio. " Esta já passou!"
E simultaneamente pensamos mais uns meses e estamos no Outono, e lá vem outra fase um pouco diferente da anterior. Enchemos o peito de ar e coragem e vamos a isto!


 
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